Oppenheimer (2023) é um drama inteligente, que mostra Cillian Murphy interpretando o cientista que inventou a bomba atômica.
Um Filme Minecraft (2025) é uma adaptação maluca de um videogame, com Jack Black soltando uma música sobre "galinhas de lava".
Mas os dois filmes têm vários pontos em comum. O primeiro deles, obviamente, é que ambos atingiram quase 1 bilhão de dólares (cerca de R$ 5,5 bilhões) de bilheteria em todo o mundo.
Um Filme Minecraft, no momento, é a maior bilheteria bruta dos Estados Unidos e a quarta maior do mundo em 2025. Já Oppenheimer arrecadou a terceira maior bilheteria global de 2023.
Mas o outro ponto em comum é que eles mostram como o ato de ir ao cinema mudou radicalmente, desde a pandemia de covid-19.
O público interagiu com os dois filmes de forma comparável e revolucionária, fazendo de Um Filme Minecraft o lançamento mais importante do ano no cinema. Não que todo este sucesso tenha sido uma surpresa.
Em 2024, o 10º filme de maior bilheteria no mundo foi Sonic 3: O Filme, outra adaptação de videogame. E, em 2023, a segunda produção que mais arrecadou no mundo (uma posição acima de Oppenheimer) foi Super Mario Bros: O Filme.
Também em 2023, Five Nights at Freddy's: O Pesadelo Sem Fim foi tão lucrativo que foi lançada uma sequência no início deste mês. E, para 2026, podemos esperar Mortal Kombat 2, Street Fighter: O Filme e Super Mario Galaxy: O Filme.
Paralelamente, duas das mais aclamadas séries de TV atualmente são The Last of Us e Fallout, também baseadas em videogames.
Com os filmes de super-heróis faturando menos em relação a alguns anos atrás, os videogames passaram a ser os novos favoritos de Hollywood.
Ainda assim, Minecraft não era o candidato mais promissor para a tela grande.
É claro que o jogo é um fenômeno cultural. Estamos falando do videogame mais vendido do mundo e suas cores brilhantes e gráficos pesados em ângulo reto estão em toda parte.
Ocorre que ele é ambientado em um mundo totalmente composto de blocos pixelados representando diferentes minerais. A tarefa do jogador é romper ou "minerar" esses blocos para construir coisas.
A curiosa tarefa foi confiada a Jared Hess, o mesmo diretor de comédias excêntricas como Napoleon Dynamite (2004) e Nacho Libre: Tudo pelas Crianças (2006). Não parecia a forma mais lógica de aumentar a bilheteria em relação às últimas produções das séries Missão: Impossível e Jurassic World.
Houve também as críticas. Um Filme Minecraft atingiu avaliação de apenas 48% no portal Rotten Tomatoes.
Um comentário típico classificou o filme de "berrante, irritante... um amontoado disforme de propaganda comercial", segundo Kevin Maher em sua crítica de uma estrela, publicada no jornal britânico The Times.
Mas o público discordou.
O filme teve desempenho acima do esperado no seu fim de semana de estreia, em abril, atraindo crianças e adultos, segundo reportagem da BBC.
"Quando os pais gostam de um filme de família, este é um bom sinal", declarou Steve Buck, chefe de estratégia da empresa de análise da indústria EntTelligence.
Mas o aspecto incomum foi que os espectadores não estavam apenas rindo das artimanhas de Jack Black em um universo alternativo composto de blocos de construção, o chamado Overworld.
Incentivados pelos trailers e, especialmente, pela forma em que Black declama cada frase com entusiasmo frenético, os fãs do jogo gritavam sempre que reconheciam uma frase ou meme. Eles atiravam pipoca no ar e se comportavam como se estivessem em uma sessão da meia-noite do filme The Rocky Horror Picture Show (1975).
O momento mais provocador surgiu em um personagem raramente encontrado no jogo.
Uma criança zumbi de pele verde pula nas costas de uma galinha (que, na verdade, parece mais um pato). Neste momento, Black alerta: "jóquei de galinha!" E os fãs de Minecraft deliram.
No Estado americano de Utah, espectadores chegaram a levar galinhas vivas para o cinema. E houve relatos de que a polícia foi chamada a intervir em algumas sessões nos Estados Unidos.
É claro que esse alvoroço não agradou a todos.
No jornal britânico The Guardian, uma reportagem recebeu a seguinte manchete: "Existe lugar para a participação do público, mas o caos do 'jóquei de galinha' foi longe demais."
O texto concluiu com uma severa advertência: "Talvez esteja na hora dos adultos definirem regras." Mas, a julgar pelos resultados de bilheteria, muitos adultos aprovaram o caos do jóquei de galinha.
O humorista britânico Sam Avery contou à BBC que assistir a Um Filme Minecraft com seus filhos foi "honestamente, a experiência mais engraçada que já tive no cinema".
O diretor do filme pode ser suspeito, mas ele também ficou a favor do caos. "Foi muito divertido", declarou Hess para a revista Entertainment Weekly.
"As pessoas me enviam essas falas realmente hilariantes de muitos adolescentes pouco antes do filme... É ótimo, especialmente quando as pessoas sobem nos ombros dos seus amigos, ficam de pé e aplaudem esses momentos."
"Mas, cara, estou muito feliz pelas pessoas estarem criando recordações com seus amigos e familiares."
O comentário de Hess destaca um fator fundamental.
As pessoas não vão assistir a Um Filme Minecraft apenas para gritar, aplaudir e levar suas aves para passear. Elas estão filmando a si próprias fazendo tudo isso, para poderem postar os vídeos no TikTok e em outras redes sociais.
Para quem gosta de assistir aos seus filmes em silêncio, é duplamente irritante. Pior do que ouvir outras pessoas falando no cinema é ver essas pessoas usando seus celulares.
Mas a Minecraftmania depende dos dois fatores para se promover. Os vídeos virais ofereceram ao filme enorme publicidade gratuita.
Trinta anos atrás, The Rocky Horror Picture Show levou anos para atrair uma legião cult de seguidores. Em 2025, graças aos smartphones e às redes sociais, Um Filme Minecraft atingiu o mesmo patamar em um fim de semana.
Este fenômeno não é inédito. Em 2022, meninos adolescentes viralizaram filmando a si próprios assistindo a Minions 2: A Origem de Gru, vestidos com trajes inteligentes e carregando bananas.
E, ao mesmo tempo em que surgiam essas manias acidentais e imprevisíveis, os estúdios promoviam suas próprias formas oficiais para que os espectadores se envolvessem ativamente nos seus filmes.
Wicked teve apresentações karaoke, apresentadas pelas estrelas Cynthia Erivo e Ariana Grande, com as letras das canções aparecendo nas legendas.
"O filme, por si só, é ótimo", escreveu Jenelle Riley na revista Variety, "mas, se você quiser uma experiência elevada, nada como ter um momento nerd no cinema, ao lado de outros fãs com pensamento similar."
Em maio, a Warner Bros se rendeu às inevitáveis e anunciadas filmagens especiais de Um Filme Minecraft, com a participação do público.
Tudo isso nos traz de volta a Oppenheimer.
Quando saiu a notícia de que a séria e profunda cinebiografia de Christopher Nolan seria lançada no mesmo dia de Barbie, em 2023, o choque entre dois lançamentos tão diferentes ganhou um apelido: Barbenheimer.
No início, se imaginou que os espectadores optariam por assistir a um dos dois filmes. Mas o que aconteceu é que muitos preferiram assistir a ambos, um depois do outro, vestidos de rosa ou preto para expressar sua lealdade.
Com isso, Barbenheimer se transformou em um evento, um passeio a ser curtido com amigos vestidos com roupas temáticas, bebendo um coquetel relativo à ocasião.
Um Filme Minecraft teve um apelo parecido, que provavelmente deixou os espectadores satisfeitos.
A pandemia de covid-19 e o crescimento do streaming foram desastrosos para os cinemas. Mas o setor e o público estão descobrindo que compartilhar um filme com a multidão pode ser totalmente diferente de assistir sozinho na televisão.
Pode ser um evento. Pode ser como ir a uma festa ou a uma final de campeonato.
Basta observar como vem crescendo a bilheteria dos filmes de terror. Invocação do Mal 4: O Último Ritual, Premonição 6: Laços de Sangue, Pecadores e A Hora do Mal estão todos no top 20 global de 2025.
O diretor e roteirista de Pecadores, Ryan Coogler, declarou que deseja recriar a atmosfera eletrizante dos concertos de rock. Em entrevista à revista Screen International, ele afirmou que assistir com outras pessoas enriquece os filmes de terror.
"Acho que a pandemia fez com que todos reavaliassem o que torna os eventos comunitários tão especiais", explica Coogler. "E é muito divertido assistir a filmes de terror, ou comédias, com a multidão."
"Existe algo de revigorante em levar um susto em uma sala cheia de pessoas estranhas no escuro. Talvez eu fique sobressaltado ou ouça alguém ficar em pânico. Surge um feedback circular."
"A interatividade dos filmes que incluem esses elementos de terror realmente é ótima", conclui ele.
Será que estamos transformando o cinema em um evento?
Seja como for, esta interatividade contribuiu para a bilheteria de filmes como Oppenheimer, Um Filme Minecraft, Minions e Pecadores.
Com isso, ela colaborou para a sobrevivência dos cinemas após a pandemia. E deve vir muito mais no futuro.
Os artifícios galináceos podem fazer as pessoas atirarem penas, mas os fãs de filmes de arte podem estar certos de que os dramas comuns vencedores da Palma de Ouro em Cannes, na França, provavelmente não terão multidões vestidas com roupas temáticas e cantando junto com o filme.
E, se as pessoas começarem a atirar pipoca na tela da sala ao lado, talvez seja exatamente o que os cinemas precisam para se manter em atividade.
Leia a versão original desta reportagem no site BBC Culture.


